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The Lovely Bones





Lembro de quando eu era bem pequena. Tão pequena que mal dava para olhar por cima da mesa. Havia um globo de neve. E eu me lembro do pinguim que vivia dentro do globo. Ele estava sozinho lá dentro e eu ficava preocupada. 

Lembro de quando ganhei uma câmera de aniversário. Adorava como as fotos capturavam os momentos antes que acabassem. Era isso que eu queria ser: uma fotografa da vida selvagem. Imaginava que quando fosse maior, observaria elefantes e rinocerontes. Mas por enquanto me contentava com a Grace Tarking. 

São estranhas as lembranças que guardamos. Lembro de ir com o papai no sumidouro da fazenda dos Connors. Era fascinante como a terra podia engolir as coisas. E me lembro da menina que morava lá, Ruth Connors. O pessoa da nossa escola dizia que ela era esquisita. Mas agora sei que ela via coisas que os outros não viam. 

E me lembro da pior coisa que aconteceu a nossa família.O dia em que meu irmão caçula parou de respirar. E me lembro do brilho nos olhos do meu pai, o alivio. Não eramos essas pessoas sem sorte, para quem acontecem coisas ruins sem motivo nenhum.

A vovó previu que eu teria uma vida longa e feliz por salvar meu irmão. E como sempre a vovó Lynn estava errada. 

Meu sobrenome é Salmon, salmão, igual ao peixe. Meu nome, Susie. Tinha 14 anos, quando fui assassinada, em 6 de dezembro de 1973. Foi antes de colocarem fotos de crianças desaparecidas em caixas de leite e nos noticiários. Quando as pessoas acreditavam que essas coisas não aconteciam. 

Eu não estava segura, um homem do meu bairro estava me observando. Se eu não tivesse desatenta teria percebido que havia algo errado, porque esse tipo de coisa me dá arrepios. Mas estava muito ocupada pensando nos cílios enormes do Ray Singh. Tinha contado cada um deles na biblioteca, enquanto ele lia Abelardo e Heloisa, a mais seria tragédia de amor que já existiu. 

Não foi o senhor O'Dwyer, apesar dele parecer meio suspeito. O senhor O'Dwyer nunca machucou ninguém. A própria filha do senhor O'Dwyer morreu um ano e meio antes de mim. Ela tinha leucemia. Mas nunca a vi no meu céu. 

Meu assassino era um homem do nosso bairro. Tirei uma foto dele falando com meus pais sobre as flores do canteiro. Ia fotografar os arbustos e ele entrou. Ele apareceu do nada e estragou a foto. Ele estragou muitas coisas. 

Eu estava deslizando. Era isso que eu sentia. A vida estava me deixando. Mas não estava com medo. Então lembrei, que havia uma coisa que eu tinha que fazer. Um lugar em que eu tinha que estar.

A Holly disse que havia um céu maior que tudo que conhecíamos. Onde não havia milharal, nem lembranças. Nem túmulo. Mas eu ainda não estava olhando além. Eu ainda estava olhando para trás. 

Meu assassino começou a se sentir seguro. Ele sabia que as pessoas queriam prosseguir. Elas precisavam esquecer. Ele adorou esse pensamento. Ninguém estava olhando pra ele.Mas havia uma coisa que meu assassino não entendia. Ele não entendia o quanto um pai podia amar sua filha. Eu ainda estava com ele.

Eu não estava perdida, nem congelada, nem tinha partido. Eu estava viva, eu estava viva no meu mundo perfeito. 

Eu estava no horizonte azul, entre o céu e a terra. Os dias não mudavam. E toda noite eu tinha o mesmo sonho. O cheiro da terra úmida. O grito que ninguém ouvia. O som do meu coração batendo como um martelo debaixo da roupa. E depois os ouvia chamando. As vozes dos mortos. Eu queria segui-las.Para achar uma saída. Mas eu acabava sempre voltando para a mesma porta. E eu estava com medo. Sabia que se eu fosse lá, nunca mais sairia. 

O meu assassino podia reviver um momento por muito tempo. E ficava se alimentando da mesma lembrança. Ele era um animal, sem rosto. Infinito. Mas depois ele ia sentir, o vazio voltando. E a necessidade surgiria dentro dele de novo. 

Quando chegou o verão, ele percebeu que os namorados entravam no milharal. E começou a segui-los e a observar. 

Minha mãe foi o mais longe que conseguiu. Ela achou um trabalho em um pequeno pomar em Santa Rosa. Era um trabalho pesado, mas ela não se importava. Se alguém perguntava, ela dizia que tinha dois filhos.

E a Lindsey, que sempre disse que não acreditava em amor. Acabou encontrando-o.E aí estava, o momento que eu nunca teria. Minha irmã passou na minha frente. Ela estava crescendo. 

Eu ia sempre observar o Ray. Eu ficava no ar, em volta dele. Eu estava nas manhãs frias que ele passava com Ruth Connors. Aquela garota estranha e sobrenatural que aceitou facilmente a presença dos mortos entre os vivos. E, as vezes, o Ray pensava em mim. Mas ele começou a questionar, se já era hora de por essa lembrança de lado. Talvez fosse hora de me deixar partir. 

Um assassinato muda tudo. Quando era viva, nunca odiei ninguém. Mas agora o ódio era tudo que eu tinha. 

Ali eu soube que ele nunca desistiria de mim. Ele nunca me veria como uma morta. Eu era a filha dele. E ele era meu pai. E ele tinha me amado o máximo que podia. Eu tinha que deixa-lo ir. 

Sophie Cichetti. Pensilvânia. 1960. A proprietária da casa onde ele morou.
Jackie Meyer. Delaware. 1967. Tinha acabado de fazer 13 anos. Seu corpo foi achado numa vala ao lado da estrada.
Leah Fox. Delaware. 1969. Já estava morta quando ele afundou seu corpo no rio.
Lana Johnson. 1960. Condado de Bucks, Pensilvânia. Ele a atraiu ate uma cabana que ele havia construído.Ela foi a mais jovem, tinha 6 anos.
Flora Hernandez. Delaware. 1963. Ele só queria tocá-la, mas ela gritou. 
Denise Lee Ang. Connecticut. 1961. 13 anos. Estava esperando o pai fechar a loja quando desapareceu. Denise Lee Ang, que, ás vezes, gostava de ser chamado de Holly. 
Susie Salmon. 14 anos. Norristown, Pensilvânia. 1973. Assassinada num quartinho que ele construiu debaixo da terra. 

Eram esses os restos angelicais que tinham nascido na minha ausência. As conexões, as vezes, tênues, as vezes criadas com muito custo, mas com frequência magnificas que aconteceram depois de eu morrer. E eu comecei a ver as coisas de um jeito, que me permitia conceber o mundo sem mim. 

Quando minha mãe entrou no meu quarto, percebi que esse tempo todo eu estava esperando por ela. Eu esperei muito. Estava com medo que ela não viesse. 

       Ninguém percebe quando a gente vai embora. Quero dizer, o momento quando realmente decidimos partir. No máximo, podem sentir um sussurro ou a onde de um sussurro indo pra baixo. 

Meu sobrenome é Salmon, Salmão, igual ao peixe. Meu nome, Susie. Tinha 14 anos quando fui assassinada, em 6 de dezembro de 1973. Eu estive aqui por um momento e depois parti.  

     Desejo a vocês, uma vida longa e feliz.  

     

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